Descoberta

A história da descoberta do Schistosoma mansoni

Amanda Santos – estudante biologia

A origem dos helmintos do gênero Schistosoma ainda é uma polêmica no meio científico. Acredita-se que eles surgiram na Ásia e migraram para a África onde passaram por radiação e tornaram-se parasitos exclusivos de moluscos planorbideos. Recolonizaram a Ásia e diversificaram-se em grupos: espécies com ovos de espícula terminal e uma espécie com espícula lateral, o Schistosoma mansoni.

As primeiras observações desses invertebrados foram feitas no Egito pelo patologista alemão Theodor Bilharz, em 1851. Durante a necropsia de um jovem foi encontrado, no sangue da veia porta, um helminto branco e longo. O cientista também observou ovos com espícula terminal, que se alojavam principalmente na urina e nas fezes do hospedeiro. Como notou que os helmintos possuíam duas ventosas (que ele considerou como sendo bocas), nomeou o organismo de Distomun haematobium, (Distomun, significa “duas bocas”). Em 1858, o zoólogo alemão David Weinland e o cientista inglês Thomas Spencer Cobbold, ao estudarem a espécie, perceberam que somente uma das ventosas possuía cavidade oral, e sugeriram mudar o nome para Schistosoma (corpo fendido no macho), devido à característica da fêmea de aderir ao macho, que é consideravelmente maior.

No ano de 1902, o médico escocês Patrick Manson encontrou ovos com espícula lateral nas fezes de um paciente que havia morado nas ilhas do Caribe. Esta descoberta iniciou uma discussão entre os pesquisadores Arthur Looss, – que não acreditava na possibilidade de ser uma espécie nova –, e o médico ítalo-inglês Louis Westenra Sambon, que ao analisar a falta de espículas terminal e à localização diferente no corpo do paciente, propôs que os  ovos pertenceriam a uma nova espécie, a qual nomeou de Schistosoma mansoni, em homenagem a Patrick Manson.

É provável que este parasito tenha chegado ao Brasil durante a época colonial, com o tráfico de escravizados vindos do continente Africano. O primeiro registro de Schistosoma foi realizado pelo médico baiano Pirajá da Silva em 1908. Ao analisar o sangue fresco de um jovem de Salvador, o médico observou a presença de hematozoários em forma crescente e ovos que, segundo ele, eram semelhantes aos do S. mansoni. Após observar mais dois casos, constatou a presença de ovos também em fezes. Esses primeiros achados foram publicados em artigo na Revista Brazil Médico, em 1908, corroborando as ideias de Sambon, que defendia a existência de mais de uma espécie de Schistosoma.

Pirajá da Silva contribuiu para a descoberta de parte do ciclo desses helmintos, apesar do seu desconhecimento sobre o hospedeiro intermediário, pois, não existia, naquela época, literatura sobre esquistossomose no Brasil. O médico relatou que os ovos eram expelidos pelos humanos, caiam na água e um miracídio era liberado. Além dos ovos, também observou o organismo adulto e reconheceu o estádio larval, ao qual deu o nome de Cercaria Blanchardi.

Tais estudos foram continuados pelo cientista Adolfo Lutz, que em 1916 iniciou pesquisas sobre a esquistossomose no Brasil. Lutz observou a penetração do miracídio no hospedeiro intermediário, que são moluscos de água doce. Estes moluscos foram identificados como sendo das espécies Biomphalaria glabrata (na época Planorbis oliraceu e P. guadaloupensis) e a Biomphalaria straminea (então P. centimatralis). Acompanhou também o desenvolvimento do estádio de esporocistos até a cercária bifurcada, como identificado por Pirajá. Além disso, pelo estudo experimental e da infecção humana, pôde observar os aspectos patogênicos, de forma a indicar tratamentos e medidas profiláticas.

Os diversos estudos e pesquisas foram essenciais para que tivéssemos um conhecimento progressivo da doença que ainda assola regiões sem acesso à água potável e rede de tratamento de águas residuais. Portanto, é muito importante conhecer todos os aspectos que envolvem a doença para que ela possa ser erradicada.

Para saber mais:

BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância da Esquistossomose mansoni: diretrizes técnicas. 4Ed, Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

CALDEIRA RL.; CARVALHO, OS.; CARDOSO, PCM.; MENDONÇA, CLF.; PASSOS, LKJ. Moluscos brasileiros de importância médica. 2 ed. Belo Horizonte, FIOCRUZ/ Centro de Pesquisa René Rachou, 2014.

CARVALHO, OS; COELHO, PMZ; LENZI, Hl.; orgs. Schistosoma mansoni e esquistossomose: uma visão multidisciplinar (on line). Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008.

FRIED, Bernard.; TOLEDO, Rafael. Biomphalaria snails and larval trematodes. Springer

KATZ, Naftale. A descoberta da esquistossomose no Brasil.Gazeta médica Bahia, v78 p. 123-125, Bahia, 2008.

KATZ, Naftale. O reconhecimento da esquistossomose mansoni. Ciência Hoje, vol.41 nº245.p- 76-78.

KATZ, Naftale. The discovery of Schistosomiasis mansoni in Brazil. Acta Tropica, v.108, p.69-71, 2008.